sexta-feira, 27 de junho de 2014

O amor de si mesmo



O amor próprio é o amor de si mesmo.

Amar a si mesmo é o nosso propósito primordial nesta vida. A nossa essência, aquilo que em nós nos caracteriza como humanidade, é o Amor. A capacidade de amar ao outro, de se dar ao outro é uma manifestação desta virtude, mas não é disso que estamos a falar agora. A capacidade de se dar ao outro é muito nobre, mas pode facilmente nascer numa carência, numa falta de amor a si, que nos faz amar ao outro.

Muitas pessoas que põem o outro em primeiro lugar fazem-no, em primeiro lugar, por desamor a si. Porque reconhecem no outro um valor superior ao seu. Porque nascemos numa sociedade que impõe categorias, que nos ensina a conhecer o mundo através de rótulos, prateleiras, categorias, degraus e graus de mais ou de menos. Ensinam-nos que os nossos pais são mais que nós, que os professores são mais que nós, que ser uma boa esposa implica fazer cedências em quem se é, que uma boa mãe se anula em prol dos filhos, que um funcionário de excelência não tem vida pessoal, que uma pessoa de sucesso é aquela que mais tem materialmente e não a que mais é. Ensinam-nos a ter vergonha de nós, de quem somos, das nossas opiniões e convicções. A recalcar para o mais escondido de nós a nossa espontaneidade, a alegria de sermos quem somos, a satisfação por nos realizarmos enquanto pessoas em cada acto simples do dia a dia. À medida que vamos recalcando as nossas características, vamos acumulando frustrações, sentimentos de humilhação, vergonhas e culpas, sonhos e vontades. Acumulamos, acumulamos… e um dia explodimos.

Uns explodem passado muitos anos com atitudes radicais contra si ou contra os outros. Outros adoptam o papel de vítima, outros de carrasco. Outros vão alternando entre um papel e o outro. Há os que vão explodindo, com raiva, com gritos, com argumentos, com “graxa”, com manipulação. Em cada explosão há um grito do Eu. Um grito do “Eu Sou” a tentar Estar neste mundo. Mas, como é uma manifestação mal canalizada, que obedece a impulsos e nasce desses recalcamentos inconscientes, surge como um estalo no rosto de quem está por perto no momento dessa explosão. Às vezes estalo verbal, outras físico, outras emocional. Esta imposição abrupta de quem se é resulta em resistência no outro, em mais uma rejeição, em mais um conflito… e novamente em recalcamento do Eu, em vergonha e culpa de ser quem sou. Quem tem a coragem de dizer não aos pedidos do outro, é rotulado de egoísta. É falta de educação não responder a uma pergunta, mas “perguntar não ofende”, ou seja, é reconhecido socialmente ao outro o direito de pergunta e a nós mesmos o dever de resposta. O outro tem o “direito de” e eu o “dever de”. Nestes casos, a via do não-conflito passa por expor coisas que não queremos efectivamente expor ou por mentir educadamente. Porque recusar responder à solicitação do outro é rude, é egoísta. E assim é com as perguntas efectivas como com quaisquer outras solicitações. Momento a momento, desde o primeiro choro, vamos sendo educados a anular-nos. Vamos recebendo dos outros a mensagem do valor que afinal não temos. Este sistema está tão enraizado que se torna num “é assim que as coisas são” e quem rompe com estas coisas é mais rapidamente rotulado de “rebelde” do que de “visionário”. Uma nova ideia é rapidamente refutada, antes mesmo de ser ouvida.

Por isso, tivemos que vir nascer novamente nesta nova Era em que se grita “Eu!, Eu!, Eu!” um pouco por todo o lado. O grito do Eu foi um grito colectivo e partilhado por pelo menos três gerações, neste momento. Fala-se de individualismo, de egoísmo, de uma sociedade em que é o “salve-se quem puder” que impera. Em que os vizinhos não se cumprimentam, em que mesmo quando esbarramos com o outro, desviamos o olhar e grunhimos com o incómodo, em que aqueles que pedem desculpa pelo encontrão fazem-no sussurrando e andando em frente rapidamente.  As crianças mandam nos pais, desrespeitam os professores, o funcionário “passa a perna” no chefe, a vítima passa a carrasco. A hierarquia de classes sociais foi tão condenada que deixou de existir e… voltámos aos tempos medievais dos Senhores e da plebe.
Mas é assim que somos. Como seres duais que são os seres humanos, encontramos o equilíbrio nos extremos. O grito de Iparanga do Eu passou da anulação para a imposição. Eu sou, eu estou, eu importo, eu tenho valor resultaram em egos inflamados. Conhecendo os dois extremos, começamos a perceber onde está o meio.

O emergir do individualismo “coincidiu” com a igualdade de oportunidades ao acesso aos bens materiais. O Eu sou aprendeu a manifestar-se, mas fê-lo através do Eu tenho. Tal resulta de séculos de anulação do Eu, em que este foi adoptando papéis sociais consoante épocas e culturas, até ao ponto de se perder. O valor do eu reflecte-se nos valores numéricos da conta bancária. Passámos a ter preço e a falar de pessoas em função dos bens que têm. Exemplo claro disso, tão na voga neste momento, é o valor de x milhões de um jogador de futebol. Ou da resposta à questão “quanto ganhas?” resultar num sentimento de orgulho ou de vergonha para quem responde. A resposta à questão “quem és?” é o nome que os nossos pais escolheram para nós e é mais esclarecida explicando a família de origem. A resposta à questão “que fazes da vida?” passa por dizer a nossa profissão, o que fazemos para ganhar dinheiro. Não vejo assim tanta diferença entre os antigos escravos e esta forma subliminar de domínio. São épocas diferentes pelo que estamos a falar de manifestações diferentes, mas manifestações do mesmo, afinal de contas.
Acabamos sempre por ser servos dos outros. 

Agora importa-me um pequeno esclarecimento. Não tem problema nenhum escolher uma profissão, lutar por bens materiais, fazer por nos integrarmos na sociedade. Não somos eremitas, somos seres sociais e estamos ligados uns aos outros até às vísceras mais profundas, pelo que não faz sentido nenhum rejeitar a sociedade de modo radical. Rejeitar as raízes, é rejeitar quem somos, abandonar os outros é abandonar parte de nós! Isso já foi feito de milhares de formas diferentes e o resultado está à vista e não resultou favorável para ninguém.
É o caminho do meio que proponho. Não sou só eu que proponho, é certo. Mas Eu também proponho. O facto de defender o meu ponto de vista é só isso mesmo, uma partilha daquilo que vejo, sem implicar que mais ninguém vê o mesmo, ou que a visão do outro seja inválida.
Este caminho do meio passa por aceitar que já cedemos e que já nos impomos. Agora é preciso aprender a Ser quem somos, integrados onde Estamos. Integrar o Ser e o Estar. O desafio da nova era é este mesmo: aprender a Estar, Sendo. Daí que o auto-conhecimento seja a principal via para a realização pessoal e social. Onde estou? Como estou? Como estas respostas reflectem quem eu sou? E, claro, é preciso responder à questão “Quem Eu Sou?”.
À medida que nos vamos conhecendo, limpando e retirando as várias máscaras que resultam dos papéis que vamos adoptando, vamos começando a conhecer um pouco mais de nós próprios. Vamos aprendendo a amar cada bocadinho de nós, a aceitar cada uma das cicatrizes na alma e o papel que teve na nossa aprendizagem.

Fazemos, estando e estamos, sendo. Grande desafio! Como fazer isso? Como estar? Como ser? Quem sou?

O ponto de partida para o amor próprio é conhecer o próprio. O próprio quem é? Somos medricas, o medo do desconhecido é característica comum. Vamos ter a coragem de nos conhecermos a nós próprios? Vamos ousar amar-nos a nós próprios?

O texto já vai longo, partilharei as minhas aprendizagens sobre o que é isto e como se faz noutro texto.
A ti que leste esta minha partilha até ao momento, a minha gratidão. Aos que não leram, a minha gratidão também.
Eu Sou Patrícia.