segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Do Significado da Vida ao Elogio da Diferença



Uma das questões a que as pessoas têm mais dificuldade em responder é “Qual o significado da minha vida?”. Todos os dias realizamos inúmeras actividades, desde as rotinas de higiene e alimentação, ao cuidar dos filhos, estacionar o carro, escolher o que vestir, trabalhar, fazer a lista de compras, ver um filme, procurar o telemóvel, aturar a amiga chata, ir ao dentista… em prol de quê? Porque fazemos estas coisas todas? Porque tem de ser. Que seria dos meus filhos se não o fizesse? Tenho que ganhar dinheiro para pagar as contas. Quero ser bem-sucedido. Quero emagrecer. É assim a vida. Temos que ser uns para os outros. Tenho que pagar o empréstimo da casa. Quero ser saudável. As coisas estão difíceis, há que lutar pela vida. Do céu só cai a chuva. E aviões, acrescento eu.

Quantas vezes chegamos ao fim do dia exaustos, fartos, aborrecidos, e, ao reflectir sobre o nosso dia, chegamos à conclusão de que não fizemos nada de jeito? 
Como seria o nosso dia se tivéssemos feito alguma coisa de jeito?

O que é preciso estares a fazer para sentir que andas a fazer alguma coisa de jeito?

É na resposta a esta questão que está uma das principais pistas para o caminho da nossa felicidade individual. Não é o que estamos a fazer, mas o que sentimos quando estamos a fazê-lo que conta. Por mais rotineiro e banal que seja lavar os dentes, se queremos ser saudáveis, é preciso fazê-lo. E se queremos ser felizes, é preciso desfrutar de o fazer.  Procuramos a felicidade em momentos transcendentes, únicos, que nos façam vibrar, sentir a adrenalina de estar vivos. E esquecemo-nos de a sentir nos gestos banais e quotidianos. Porque será?
Num documentário a que assisti defendia-se que tal se deve a um factor psicológico simples: quando algo se torna repetitivo, perdemos o foco da atenção e assim nascem os hábitos mecânicos. Para além disso, os nossos instintos naturais estão programados para reagir a cores brilhantes, sons fortes e outros estímulos repentinos, como forma de alarme para a sobrevivência. Estamos biologicamente condenados a deixar de saborear a vida quotidiana.

Estaremos mesmo? Já observaste os outros animais? Já deste conta da felicidade que o cão manifesta quando, todos os dias às 19 horas, pões a chave na porta de casa? Do abanar veemente da cauda - todos os dias - quando lhe pões a comida na tigela? Os outros animais também estão programados para reagir instintivamente a estímulos repentinos. No entanto, é no dia-a-dia banal e quotidiano, quando tudo está calmo e tranquilo, que os pássaros cantam.

Observa os animais na natureza. Aos estímulos repentinos reagem com medo, fugindo, ou atacando agressivamente. De resto, aí estão, desfrutando. Não perdem o foco da atenção por algo ser repetitivo e rotineiro: desfrutam-no. Alegram-se por estar tudo bem e tranquilo. Alegram-se por não haver nada de novo para fazer. Alegram-se porque o sol aquece e a brisa refresca.
E nós, humanos estranhos e insatisfeitos, sentimo-nos frustrados porque o dia de hoje foi igual ao de ontem. Ficamos cansados por não termos feito nada de diferente. Em que momento deixámos de saborear a rotina? 
Dei comigo a pensar nisto. Como sagitariana que sou, adoro viagens, sejam físicas, mentais, emocionais, espirituais, ao exterior, ao interior, onde quer que possa explorar novas sensações, novos pensamentos, novas emoções. No entanto, descobri com um namorado tipicamente taurino que a segurança da rotina dá uma sensação de tranquilidade, de harmonia, de felicidade… descobrir prazer na rotina foi uma das melhores aprendizagens que fiz nessa relação. Ficou-me inscrito na alma. A simplicidade do dia-a-dia é também uma viagem muito interessante de se fazer. Passei a sentir os aromas, o vento no rosto, as cores do céu, a ida à mercearia, como uma viagem ao momento presente. Não podemos dizer que ir a Londres ou ao Pingo Doce sejam a mesma coisa, claro. Mas aprendi que ambos nos trazem sensações diferentes de satisfação. Não caiamos, porém, no outro extremo, o de deixar que a rotina adormeça os sentidos e o sentir!

Deixamos então de sentir prazer e satisfação no quotidiano não por mecanismos psicológicos relacionados com a atenção, mas pelo significado que atribuímos às experiências.
Essa atribuição de significado depende de inúmeros factores (das experiências anteriores, da educação, da cultura em que se está inserido, entre outros), mas acima de tudo, depende do tipo de diálogo interior que temos connosco mesmos. É por isso que tantas ferramentas hoje nascem por aí, como PNL, coaching, mindfullness, lei da atracção, técnicas de meditação várias, entre tantas e tantas. Já experimentei umas quantas e digo-vos, algumas delas são fantásticas. Resultam mesmo. Quem me conhece, sabe que “respiro” técnicas destas para trabalhar o diálogo interior. Recomendo vivamente que experimentem, que escolham pelo menos uma, de acordo com as vossas ideologias, crenças, preferências. É brutal, a sério.

Mas a verdade é que o motivo pelo qual funcionam também depende do significado que lhes atribuo. No meu caso, essas ferramentas servem para me ajudar a tornar a minha vida um reflexo de quem eu sou. Esse é o valor que lhes dou, o significado que para mim têm e o motivo pelo qual funcionam. Porque nenhuma destas técnicas irá funcionar se se limitarem a aplicá-las mecanicamente. Podem atrair para a vossa vida o necessário para comprar um carro novo, mas não vão ficar mais felizes por isso. Estas técnicas ajudam-nos a serem mais felizes se estivermos a usá-las para alcançar a felicidade. E para o fazermos, precisamos primeiro realizar um trabalho de auto-conhecimento sério, de modo a retirar as várias camadas que temos em cima, de expectativas dos outros, da sociedade e de nós mesmos, e descobrir quem sou eu, o que quero ser, de que gosto em mim. Não é descobrir o que tenho, o que os outros gostam em mim, qual o meu papel na sociedade, como alcançar os meus objectivos. Claro que tudo isso é muito importante! Aliás, essa análise é fulcral nos primeiros passos para a auto-descoberta. Mas, mais importante, é descobrir quem eu sou.  Se não houvesse limites, obrigações sociais, familiares, restrições financeiras, contas para pagar, patrões chatos, colegas insuportáveis, amigos inconvenientes, filhos lindos para cuidar, namorado a pedir atenção, cães para ir passear… quem seria eu? Note-se que a questão não é “quem gostaria de ser”. Esta questão implica sonhar fora de mim, com alguém diferente de quem eu sou. Estamos a rejeitar quem somos ao invés de mergulhar em nós e descobrir quem somos. “Quem sou eu”, sem todas as obrigações, direitos e deveres em que mergulhei ao nascer? Quem sou eu, sem o meu trabalho? Quem sou eu, sem a minha família? Quem sou eu, sem os meus amigos?

Ao descobrir quem somos, para além de todas essas coisas, descobrimos o que realmente queremos para a nossa vida. Podemos assim iniciar o processo de, passo a passo, ir transformando a nossa vida num reflexo de nós mesmos. Mas, mais importante ainda, ao descobrir quem realmente somos, vamos amar cada pedacinho de nós (sim, depois de mergulharmos nas nossas trevas descobrimos a nossa luz, garanto-vos). Ao amar cada pedacinho de nós, lavar os dentes vai ter outro significado, o de estarmos a cuidar de nós, do nosso corpo, o de ser um passo necessário para conseguirmos o objectivo maior de sermos saudáveis. Ir ao supermercado significa que temos os recursos necessários para nos alimentar, que podemos ser gratos, de coração cheio, por termos as necessidades básicas asseguradas (… tantos que o não têm! Abençoada sou!).

Ao sabermos quem somos, sabemos onde queremos ir. Em vez de perseguirmos objectivos que nos foram ensinados a perseguir, perseguimos os nossos objectivos. O nosso dia-a-dia deixa de ser algo cansativo e aborrecido, para ser um conjunto de pequenos passos, pequenos sucessos, em direcção ao que queremos. Atenção: os nossos objectivos, na prática, podem até manter-se. O que muda efectivamente é que só se mantêm se realmente são um reflexo de quem eu sou. Para além disso, neste processo, descobrir certamente muitas coisas em nós que somos e não queremos ser. Ora, aí está mais um objectivo: que a característica X passe a integrar a nossa personalidade! Em vez de deixar de ser quem sou, de lutar contra quem sou, passo a manifestar quem eu sou, a procurar manifestar a melhor versão de mim mesma.

Ao descobrirmos quem somos, vamos deixar de aturar uma série de coisas que aturávamos, vamos perceber que certas relações não têm mais lugar na nossa vida e que fazemos diariamente imensas coisas que afinal nada têm a ver connosco. Mas mais importante, ainda, vamos passar a aturar certas pessoas e certas situações por escolha, e já não por fatalidade. A consciência dessa escolha faz-nos retomar o poder pessoal e a satisfação que advém daí. Deixamos de ser vítimas infelizes, actores no palco da vida, para passarmos a ser os autores da nossa vida.

Ao sermos os autores da nossa vida, cada gesto, cada decisão, cada momento, é uma escolha e não uma repetição mecanizada. Cada escolha é um passo para conseguir manifestar o meu Ser e não uma representação de um papel social. E cada escolha sabe a vitória, vitória sobre nós mesmos e sobre as nossas dores e sombras. Cada escolha passa a ser um momento de celebração… já não é preciso esperar 10 anos até conseguir comprar um carro melhor para sentir que consegui algo. Já não preciso de um carro para manifestar o meu sucesso… o meu sorriso é a melhor manifestação do meu sucesso! ;)

Neste processo, descobri que ser feliz não é um resultado que advém de conseguir algo. Isso é estar feliz. Ser feliz é estar a fazer algo e sentir felicidade por isso. Ser feliz é conseguir sentir o significado maior que cada gesto nosso tem.

Não faças diferente. Sê diferente. Sê tu.